IVO 60 blog

Blog para registros dos processos do IVO60 da Cooperativa Paulista de Teatro.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ópera de Sabão - camarim






dezembro 2010
Teatro Ivo 60
Fotos: Anna Turra

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Depoimentos fictícios colhidos após as primeiras apresentações da peça Ópera de Sabão.

“Pirei em como vocês usaram a própria linguagem dos produtos de entretenimento para levantar reflexões sobre a condição de mercadoria que nos tornamos tanto do ponto de vista da vida prática, concreta; quanto da vida simbólica, subjetiva.”
Jorge, estudante



“Me diverti à beça, né bem? (Para o marido) Lembra daquela hora que a Samantha conta toda a verdade? A cara dela? (risos) Nossa, as atrizes trabalharam direitinho, né? Muito bom!”
Adelaide, aposentada.


“Gente, que bagaceira!”
Bia, amiga do Ivo 60



“Depois de ver essa peça vou levar mais a minha família ao teatro. Todo mundo fala que teatro é caro, que é coisa de rico, mas é mentira. A gente que é humilde também pode ir. Tem que procurar,é verdade. Mas daí, encontra uns passeios culturais como esse que dá pra pagar ou que é até de graça. Além do mais, é muito mais emocionante viver as coisas assim ao vivo junto com os artistas.”
Seu Rubens, padeiro.


...

Patrícia, produtora de elenco de uma grande emissora da televisão brasileira.


“Então gente, eu gostei da peça, mas eu esperava que vocês entrassem rasgando mais na crítica à sociedade de consumo e à massificação do universo simbólico.”
Ju, outra amiga do IVO 60.


“Os atores têm muitas qualidades, o espetáculo demonstra excelência e trata de temas pertinentes à formação do povo brasileiro, sua identidade e cultura. Infelizmente, o espetáculo Ópera de Sabão não está alinhado aos valores e à missão desta empresa para com o consumidor e cidadão brasileiro. Para tanto, lamentamos a impossibilidade de patrocinar o supracitado espetáculo.
Nossos sinceros cumprimentos ao Senhor Ivo 60.”
Luis Roberto, diretor de marketing de empresa que patrocina grandes espetáculos em grandes teatros brasileiros.


“Nossa, eu nem me lembro quando foi a última vez que fui ao teatro. Tinha me esquecido de como era. Dei muita risada com essa comédia e fiquei pensando quanto tempo da vida a gente gasta olhando pra uma televisão ligada por falta do que fazer... ou por solidão mesmo.”
Osório, escriturário


Marina Corazza

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

IVO60 é 10! - Um pouco antes da estreia

Finalmente consegui assistir a um ensaio com as câmeras posicionadas e a projeção ao vivo. Mesmo nos momentos em que não havia por parte dos atores a intenção de causar um estranhamento entre aquilo que era representado no ato teatral e aquilo que se via na tela, situações curiosas apareciam.
O ator olha numa direção, mas na tela parece estar olhando para outra; a expressão da atriz no close imprime informações diferentes da observada “cara a cara” com o público; a disposição dos atores desenha em cena um significado que a tela não capta ou vice-versa.

Tecnicamente isso não significa grande coisa, mas evidencia o potencial que o uso deste recurso pode imprimir à poética do espetáculo de maneira que as questões discutidas na peça possam se fazer na forma.

O uso intencional da projeção das imagens captadas pelas câmeras claramente abre possibilidades para jogos que podem em alguns momentos acompanhar o andamento da ação dos atores;em outros, causar ruídos entre a “ação real” e a “ação virtual”; ou ainda,evidenciar o patético da artificialidade da linguagem televisiva.

Faz tempo que não assisto à peça inteira sem paradas tanto com o uso da projeção, quanto com as interferências musicais. Fico muito curiosa para saber como está o todo, acho que só conseguirei ver na estreia.

Ansiosa também em presenciar como será “abrir as portas” ao público, a relação que o Espaço construirá com a cidade e os frequentadores, e a relação da plateia com a peça.

Marina Corazza

terça-feira, 28 de setembro de 2010

IVO60 é 10! - Ópera de Sabão

Brincar de variar as velocidades de diferentes ações e movimentos.

Fazer todas as cenas da telenovela criada dentro da peça em um ritmo bem mais lento do que aquele que os atores se habituaram.

Desacelerar.

Atuar lentamente sem perder o fio que dá coerência e sentido às falas e às ações. Não cair no adormecimento. Não perder a vida pulsando. Redescobrir intenções e reações.

Estas indicações levaram os atores a uma zona desconhecida e viva. Como quem se equilibra numa corda bamba, em cada micro partícula de cena, reorganizavam-se naturalmente no instinto de manter a situação teatral verossímil.

O confronto entre o comando de realizar todas as ações numa velocidade mais lenta e a construção elaborada até agora, fez com que novas e potentes intenções saltassem. Como numa decupagem minuciosa, era possível assistir a toda trajetória de intenções sem que para isso os atores precisassem sublinhá-las grosseiramente.

Além da “decupagem interna”, naturalmente as relações com o espaço também ficaram mais claras. A relação do corpo com o espaço, do corpo em relação aos outros corpos, do corpo em relação a ele mesmo se mostraram mais precisas e quase pictóricas.

Pergunta que na minha opinião deve estar presente em todos os ensaios a partir de agora: de que forma evitar que esta plasticidade seduza a plateia a tal ponto que a mesma chave ligada no piloto automático para absorver qualquer produto da indústria de entretenimento acabe por não ser desligada? De que forma evitar que a peça também seja absorvida pelo modo de recepção do sistema?

Marina Corazza

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

IVO60 é 10 - 1,2,3 Atenção.... Edição

Contratempos me fizeram não poder acompanhar o trabalho como eu gostaria e por isso passei algumas semanas sem escrever.
No dia em que Anna Turra chegou com a proposta de ter três câmeras projetando detalhes em tempo real dos atores em cena, tive que sair. Completamente frustrada por querer ficar mais.
Mesmo nos poucos minutos que fiquei, a câmera já se mostrou objeto de desejo. Os atores brincavam de ter a imagem projetada na parede. Grande. Fazer e se ver simultaneamente. Um mínimo detalhe como uma subida de sobrancelha, um olhar “penetrante”, uma virada de cabeça e todos não estão mais olhando para você pequeno e insignificante na sala, mas para a sua imagem grande e sedutora na parede.

O risco de que a imagem projetada sugue a platéia é real. As intenções de cada interação precisam ser bem conscientes. O diálogo parece ser mais fértil quando aquilo que é projetado corresponde nitidamente a uma parte do que é encenado e, com isso, assume um significado completamente diferente daquele que tem no contexto da cena entre os atores.

Intenções ampliadas, gestos descontextualizados, ator pego de surpresa pela câmera num momento de exacerbação das emoções de outro ator...Enfim, descobrir as diferenças entre o que ocorre na projeção e na relação entre os atores pode ser a grande chave para que a peça ganhe em camadas de leitura e traga à discussão sobre a indústria cultural questionamentos e percepções que se desdobrem para além da superfície.

Tenho a impressão de que esse caminho evidencia a posição (política, sim) do grupo sem que para isso os artistas assumam uma postura catequizante sobre aqueles que assistem. O discurso cênico é tecido para que algumas pontas fiquem soltas e sejam levadas pelo público.


Marina Corazza

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

IVO60 é 10! - Botando pressão

são dois meses até a estréia A reforma da sede não está pronta Dramaturgo assiste suas pequenas modificações serem ignoradas Atores sentem falta de trechos que existiam antes
repete Pedrinho
os músicos assistem cenas que ainda não tinham visto.... Tá engraçado? Vocês acham que dá pra entender? Músicos terão que atuar Longa discussão sobre um monólogo. O texto é pessoal mas tem algumas palavras que ferem mais do que outras O Ivo disse que não vai pagar a terapia. Como dirigir os músicos? As modificações no texto desconstroem o caminho criado pelos atores
repete Pedrinho
tem que construir um novo fluxo entre as partes dos monólogos. Não tá engraçado
repete Pedrinho
como dar o punch? Depois de longa discussão, descobrem que estavam querendo dizer a mesma coisa
repete Ana
as pessoas estão quase chorando com meu monólogo. Não tá engraçado. Gente, eu preciso ir embora
repete Mari
perdeu a sinceridade,o que você tá falando tem que passar por você O público tá quase chorando... eu preciso
repete Pedrinho
como vai ser essa troca de roupa? Silêncio. De novo. E o cenário? O quê? Projeção? Projeção?!
Como assim projeção?! Gente, eu preciso ir.

Marina Corazza

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Ivo60 é 10! - Indigestão

O texto chegou. Agora as relações entre as cenas começam a ficar claras e desdobram-se algumas camadas de leitura.

As personagens são resultado da simbiose entre os atores do IVO60 e os atores da ficção contratados para atuar numa novela.

A encenação, o texto e a direção dos atores fortalecem a idéia de que as personagens são completamente absorvidas pelo sistema de celebridades. Alguns instrumentos “sedutores” da ilusão televisiva estão lá e nos embalam para quase adormecer, como o uso da música reforçando a ação e o desenrolar de uma trama recheada de assuntos privados. O riso e o choro.

A reflexão crítica não aparece explicitamente na fala dos atores-personagens, mas na fricção entre as cenas que constroem jogos de oposição.

Ainda assim, temo um pouco pela leveza que pode ser a grande armadilha do trabalho. Parece existir uma resistência do grupo ao peso, ao doer, como se quisessem também “agradar” a todo custo. É da natureza do encontro entre esses artistas a sátira, a piada, o escracho, mas no caminho que o trabalho segue, se não houver indigestão que se oponha ao ritmo envolvente, leve e descolado, ele perde muito da sua força e pode acabar fazendo o discurso contrário.

Não acho que para isso os atores devam comentar com verborragia ou com “excesso de intenção” a trajetória de suas personagens. Acho que a chave é mais sutil e, para mim, está diretamente ligada ao apego do grupo à necessidade de comunhão com a platéia pelo riso, ou melhor, pela risada. Às vezes um sorriso emocionado da platéia pode ser mais lúcido do que uma grande gargalhada.

Acho que falta indigestão. Se não, corre-se o risco de que a platéia e os atores saiam do teatro do mesmo jeito que chegaram. Riram, divertiram-se, embarcaram na ilusão e foram embora ilesos.

Obs: O IVO60 está em reforma para atender aos padrões e melhor acomodar seu público-alvo.

Marina Corazza

segunda-feira, 19 de julho de 2010

IVO60 é 10! – Sobre o trabalho dos atores "(...) parece fácil, mas tá difícil..!"

Alguns elementos deste e de outros textos que tenho escrito aqui moram na ficção; na tentativa de que se relacionem esteticamente com a prática dos ensaios; na tentativa de que não sejam meramente informativos.
Para que fique claro, não tenho evitado exageros, supressões e pequenas “correções” da realidade. Então vai:


Pedro propõe aos atores, como aquecimento, a exploração de solos coreográficos; brincadeiras para pesquisar chaves que levem a diferentes estados emocionais, sensoriais ou psicológicos.

No momento da experimentação, medos

do abismo
de entrar e não sair mais
de se tornar um ator sem opinião
de que aquele que assiste não compreenda as regras da peça
de ser pequeno, insignificante, egocêntrico
de ser inoperante
e só


AtorObservador sempre.

 Momento 1 - Ele dá forma a suas observações. Incorporando-as ao solo/cena, serve-se da crítica que cria enquanto dança.
Músculos e pele traduzem a fricção entre o que o ator faz e sua opinião sobre o que faz.

OU

 Momento 2 - Ele tem consciência da opinião que flui no momento da criação, mas a mantem afastada dos olhos de quem o vê. Deixa que ela flua sutilmente pela respiração e pela coluna, mas se entrega sem engenhosidade ao estado proposto.


Daí as perguntas que não têm respostas, mas que aparecem como parte do percurso:

Como montar o quebra cabeça entre estes dois momentos?

Como armar as alavancas que levarão à próxima unidade da cena, tanto do ponto de vista do ator, quanto da encenação?


Marina Corazza

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ivo60 é 10! - Sem título

No último ensaio fiquei um pouco confusa.
Tenho a impressão de que se perdeu o estranhamento (tão procurado) porque a brincadeira entre uma atuação mais “identificada” e os ruídos de encenação diminuiu.

Entendi o caminho que foi buscado. Os atores receberam a orientação de imaginar que estão atuando para a câmera, só que isso transposto para a linguagem teatral gerou uma certa estilização.
Estudar o formato de atuação nas novelas e seriados com certeza enriquece o trabalho, mas buscar o mimetismo disso pode afastar o grupo do objetivo inicial. Parece-me que, com essa orientação, os gestos, falas e intenções dos atores passam a conter a crítica o tempo todo e impedem que existam momentos de “mergulho”.

Com isso o trabalho pode cair na fórmula de criticar uma determinada situação do início ao fim da peça, sem tensão. Platéia e atores já iniciam o espetáculo sabendo que têm as mesmas convicções políticas e assim vão até o final, concordando e rindo de algo que está abaixo deles e do qual, acreditam, já compreender todas as causas e efeitos do assunto em questão.

Pelo que percebo do discurso do grupo, pretende-se que as contradições não sejam somente desenhadas, mas que se materializem no instante da cena e na relação com a platéia.

Outro elemento que contribuiu para essa falta de embate em cena foi a presença constante da música que comenta o tempo todo também na direção da crítica e isso evita que a platéia embarque na ilusão. Como espectadora, sinto que o efeito do distanciamento está diretamente ligado ao quanto me envolvo com a “historinha” criada.

Talvez eu caia aqui no terreno simplista do gosto, mas senti falta dos silêncios que já tinham sido encontrados, das pausas preenchidas que me faziam ter piedade, raiva ou admiração pelas personagens da novela que se passa dentro da peça.


Marina Corazza

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ivo60 é 10! - A procura pelo “X” da questão ou Pistas para uma peça de teatro

...

Terceira Pista
Nas paredes pretas, cenário de fita crepe desenha apartamentos de novelas.
De dentro do piloto automático que conduz as cenas de acordo com o previsível, irrompem gestos ou frases deslocadas.
Aqui o efeito do distanciamento não acontece na ação do ator, que busca a máxima identificação com seu personagem, mas na encenação que propõe um jogo entre diferentes camadas de linguagem.

Décima primeira Pista
Música ao vivo, entretenimento, humor, trama envolvente, tensão, suspense, reviravoltas.

Sexta Pista
Pesquisa para o lançamento de um novo produto no mercado:
Qual é o público?
Profissão?
Como gosta de passar seu domingo na cidade de São Paulo?
Faixa etária?
Hobbies?
Faixa salarial?
Principal meio de deslocamento ao centro da cidade?
É morador de rua? Do tipo agressivo ou passivo?
Bebe?
Fuma?

Nona Pista
Cortar da própria carne. Expor as contrariedades dos artistas envolvidos não para exaltar as crises individuais, mas como forma de investigar o que não estamos vendo na superfície.

Sétima Pista
Sensação de que não está rolando. Debates sobre a pertinência do material criado até agora. Rodas de conversa e questionamentos sobre as relações entre forma, conteúdo, linguagem, emissão/recepção.

Primeira Pista
Vazar humanidade de dentro da forma.

...


Marina Corazza

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ivo60 é 10! - Bússola

O IVO60 está a venda!!!
Seus talentosíssimos atores estão a venda!!!
Venha rir de seus dramas patéticos!
Venha se apaixonar por seus corpos sensuais!
A arena está aberta aos leões! E tem música ao vivo!

Você não vai querer ficar por fora desta. Chame toda a família, pegue a pipoca que já vai começar.


Enquanto isso, no camarim...

Walderlei - A gente tá fazendo mais uma peça que tira sarro do melodrama? É só isso? (com ar irônico) É, porque têm poucas em São Paulo, né?

Clóvis - Calma, gente. Pra gente conseguir o que quer tem que estudar sim o melodrama e fazer de verdade. Tô de saco cheio da gente criticar as coisas olhando de cima, inatingíveis. Tem que se enfiar na lama. Quero ver fazer e fazer bem.

Joana (tentando apaziguar os ânimos) - Tá. Mas acho que o que o Wanderlei tá querendo dizer é que parece que não estamos deixando espaço para a crítica. Tipo assim...., a gente de dentro não consegue ver muito aonde isso vai dar.

Camila (transtornada) – E onde nós estamos nisso tudo? Nosso depoimento como artistas, como coletivo teatral na cidade? Sabe, cadê aquela idéia inicial de que eram três artistas que tentavam abrir um espaço e...

Clóvis (nervoso) – A gente não pode começar um trabalho CRI-A-TI-VO sabendo exatamente como e aonde vai chegar. Tem que ter espaço para as surpresas que surgirem no meio do processo. Vamos deixar algumas pontas soltas sim, não é hora de fechar, estamos só no início do trabalho, que saco!

Joana – Calma, Clóvis. É que se perguntar “pra onde vamos” de tempos em tempos é importante. Eu tô me divertindo pra caramba, mas não tô enxergando o norte. Talvez não seja a hora de enxergá-lo com clareza. Mas quero ter certeza de que conforme o trabalho ganha corpo, vamos ter que acertar nossa bússola.

Silêncio.
Entra um músico.


Músico – Alguém viu meu amplificador?


Marina Corazza

Ivo 60 é 10! - Trabalho de voz com Madalena Bernardes

Botar a mão na massa para explorar a voz traz de forma muito palpável a relação (que é tão do ator) entre estar enraizado, apoiado firme e forte sem fazer força, ao mesmo tempo, que brinca com leveza e fluidez.

Depois do encontro, fui à procura do livro “Ser Criativo” do músico Stephen Nachmanovitch. Tenho sempre uma relação conflituosa com este livro porque ao mesmo tempo que parece um livro de auto-ajuda para artistas improvisadores com referências a citações de mestres e gurus chineses ou indianos; traz nas palavras um modo de clarear os diferentes vetores que disputam dentro de nós na geração do ato criativo.

“A pessoa criativa pode ser vista como a incorporação ou a expressão de duas personagens interiores: a musa e o revisor. (...) A musa propõe e o revisor dispõe. O revisor critica, dá forma e organiza o material bruto gerado no livre jogo da musa. Mas se o revisor preceder a musa em vez de segui-la, teremos problemas. Se o artista julga seu trabalho antes que haja algo a julgar, ocorre um bloqueio ou uma paralisia. A musa é criticada antes mesmo de se manifestar. (...)
Assim que brota de sua fonte misteriosa, a obra de arte se torna objetiva, algo que se pode ouvir, avaliar, explorar. Em arte, estamos continuamente julgando nosso trabalho, acompanhando continuamente as configurações que criamos e deixando que nossas críticas realimentem esse contínuo desenvolvimento. A música é auto-controladora e auto-crítica. É assim que criamos arte e não caos. (...)
Mas existem dois tipos de crítica: a construtiva e a obstrutiva. A crítica construtiva ocorre paralelamente no tempo da criação, na forma de um feedback contínuo, uma espécie de trilho paralelo consciente que facilita a ação. A crítica obstrutiva atua perpendicularmente à linha de ação, interpondo-se antes (bloqueio) ou depois (rejeição ou indiferença) da criação. (...)
Isso significa perceber a diferença entre dois tipos de tempo. O contínuo relacionamento entre a crítica construtiva e o trabalho criativo oscila numa velocidade mais rápida que a da luz: ocorre no não-tempo (eternidade). Os dois parceiros, musa e revisor, estão sempre em sincronia, como um par de bailarinos que se conhecem há muito tempo.
Quando a crítica é obstrutiva, e se interpõe perpendicularmente ao fluxo do nosso trabalho em vez de correr paralela a ele, nossa visão de tempo se fragmenta em segmentos, e cada segmento é um possível ponto de parada, uma oportunidade para que a confusão ou a dúvida entrem em cena sorrateiramente. Apreciar ou rejeitar nosso trabalho por mais de um minuto pode ser perigoso.”

“Como músico improvisador, não estou no campo da música, nem da criatividade; estou no campo da entrega. Improvisar é aceitar, a cada respiração, a transitoriedade e a eternidade. Sabemos o que poderá acontecer no dia seguinte ou no minuto seguinte, mas não sabemos o que vai acontecer. Na medida em que nos sentimos seguros do que vai acontecer, trancamos as possibilidades futuras, nos isolamos e nos defendemos contra essas surpresas essenciais. Entregar-se significa cultivar uma atitude de não saber, nutrir-se do mistério contido em cada momento, que é certamente surpreendente, e sempre novo”.

Marina Corazza

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ivo 60 é 10 - segunda semana

Música ao vivo!
Música ao vivo!!!
Música ao vivo!!!!!

Desci para ver os músicos ensaiarem enquanto os atores se aqueciam lá em cima.
A presença da música traz imediatamente a certeza de que o lance é sério. Eles dominam a técnica. As atmosferas se instauram e transitam sem esforço aparente.

Quando a música pára, Mariana me conta que dois deles acabaram de se conhecer. Como assim? Co-mo as-sim?

Sem conseguir não fazer paralelos óbvios, superficiais, e completamente ingênuos, penso em como os músicos são felizes. Eles fluem...
Não inspira confiança a seguinte imagem: numa mesa de bar, o sujeito ao lado começa a falar um texto qualquer de teatro como de Titânia em Sonho de uma Noite de Verão, por exemplo; em seguida a garçonete junto com um grupo de adolescentes começa a entoar o canto das fadas que vem logo depois “Serpes manchadas, feios ouriços/ sapos nojentos, fugi asinha (...)” e assim seguem na noite até o sol raiar...

Porém, não nos causa incredulidade se nesse mesmo bar, alguém puxa um violão, uma rabeca ou uma caixinha de fósforo e o improviso leva a todos.

Não é por acaso que nesse trabalho em que o grupo se debruça especialmente sobre os meios de comunicação de massa, exista a necessidade de a música estar em cena. Ela surge como instrumento poderoso com o potencial de fabricar simulacros de identidade cultural e de gerar o sentimento de que estamos realmente conectados ao próximo, de que somos um só, de que estamos no mesmo barco, de que vamos juntos torcer pelo Brasil na Copa!



A tortura com os depoimentos pessoais continua. Sinto-me muuuito desonesta com os atores por estar invadindo suas privacidades e não estar em pé de igualdade no quesito “deixar a máscara cair”. Agradeço a confiança e peço desculpas ao mesmo tempo. Nunca estive nessa posição, na de quem olha de cima, aprendi a funcionar na horizontal.
Para além do meu incômodo de quem está espiando o que não deveria, não consigo deixar de me remeter a Stanislávski. Existe no trabalho a busca pelo diálogo entre a linguagem do over, do histriônico com o “simples”, com o “pé no chão dizendo olho no olho” (evito as palavras verdadeiro e sincero porque pode-se ser over e sincero ao mesmo tempo. Estou à procura de sugestões para esse termo). Mexer a massa para encontrar esse “simples” ou “essencial” passa por olhar com mais calma para algumas das idéias levantadas por ele. Entre elas, a que me parece mais significativa às dificuldades que surgem, é a da vontade e da contra-vontade. A vontade de ser aceito, de sentir-se amado se opõem à necessidade vital de fazer coisas ou tomar atitudes que imediatamente afastam as pessoas e declaram o fim da ilusão de ser “feliz para sempre”.
Para a piscadinha para a platéia funcionar como um tapa na cara, como a luz que traz a consciência ou como a perplexidade que desnaturaliza os acontecimentos, o mergulho na própria merda tem que ser.

Marina Corazza

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Ivo60 é 10 - primeira semana

Estou aqui inaugurando o que pretende ser um registro semanal que misture informações objetivas, impressões e questionamentos sobre a construção do novo trabalho do IVO60.
Espero que estes relatos também sirvam para o grupo como referência concreta do caminho percorrido. Eu, como atriz, considero importante revisitar em diferentes momentos o histórico do trabalho para poder aprofundar a consciência de “para onde vamos?”.

Não consigo ser impessoal. Explico. Trabalho a 10 anos na Companhia Auto-Retrato que tem como um dos principais nortes de sua pesquisa o depoimento. Busquei me aproximar do IVO para arejar, nutrir e transformar minhas formas de fazer teatro, construir diálogos e oposições com o meu trabalho de atriz e de atriz que é parte de uma companhia na cidade de São Paulo.
Para minha surpresa, a primeira experimentação cênica (posso chamar assim?) proposta pelo diretor Pedro Granato é a partir justamente de depoimentos pessoais dos atores Ana Flávia, Mariana Leite e Pedro Felício. O foco dos depoimentos gira em torno do que é para cada um deles uma espécie de “fracasso pessoal” e o seu imediato desajuste com a sociedade. Foi simultaneamente com um carinho familiar e com alegria de quem se abre para o novo que me relacionei com os textos e com as tentativas dos atores.

Nesses pequenos Stand ups (já que a proposta é brincar com as linguagens e gêneros da indústria cultural) como se identificar com o depoimento e, ao mesmo tempo, dar o salto para gerar a perplexidade e a surpresa que vêm com o riso da platéia? O eterno jogo cênico de dar e tirar o tapete, provocar o tombo coletivo e retomar depois as rédeas... A brincadeira acontece entre o ator narrativo que é em cena diretor de suas intenções que sabe aonde quer chegar, como formular a piada e, do ator que se deixa revelar na sua fragilidade, que (aparentemente) se perde no fluxo de suas emoções.

Nesses depoimentos as palavras DESORGANIZAÇÂO e DESAJUSTE saltam. Mas desorganização em relação a que? A quem? Não vivemos numa democracia? Essas angústias meio adolescentes são ecos afetados de uma geração ainda influenciada pelo existencialismo de orelha de livro? Afinal de contas, as propagandas de sabonete, conscientes de nossa DIVERSIDADE cultural tão brasileira estão até explorando rostos e tipos nunca antes vistos em nossa televisão (a mulata que não é pobre, a nariguda bonita, a mulher um pouquinho mais fortinha...).
Organização e ajuste são palavras que fazem parte de sociedades mais opressoras e militares... Né?...

Nesse início de percurso, senti uma ausência: a platéia, o telespectador. Quando se imagina a construção de Mahagonny na peça de Brecht, pensa-se em como satisfazer todos os desejos daqueles que passam por lá e podemos fazer muitos paralelos entre esta empreitada e os programas que invadem as casas, experiências que pretendem coloridas sensações. Mas existe também não em oposição, mas como duplo inseparável dessa aparente euforia, o adormecimento, a imagem de que ao sentar a frente do sofá com um controle remoto na mão, o cidadão se “despluga”, se ausenta de sua existência para viver um nada.

Marina Corazza