IVO 60 blog

Blog para registros dos processos do IVO60 da Cooperativa Paulista de Teatro.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ivo 60 é 10! - Trabalho de voz com Madalena Bernardes

Botar a mão na massa para explorar a voz traz de forma muito palpável a relação (que é tão do ator) entre estar enraizado, apoiado firme e forte sem fazer força, ao mesmo tempo, que brinca com leveza e fluidez.

Depois do encontro, fui à procura do livro “Ser Criativo” do músico Stephen Nachmanovitch. Tenho sempre uma relação conflituosa com este livro porque ao mesmo tempo que parece um livro de auto-ajuda para artistas improvisadores com referências a citações de mestres e gurus chineses ou indianos; traz nas palavras um modo de clarear os diferentes vetores que disputam dentro de nós na geração do ato criativo.

“A pessoa criativa pode ser vista como a incorporação ou a expressão de duas personagens interiores: a musa e o revisor. (...) A musa propõe e o revisor dispõe. O revisor critica, dá forma e organiza o material bruto gerado no livre jogo da musa. Mas se o revisor preceder a musa em vez de segui-la, teremos problemas. Se o artista julga seu trabalho antes que haja algo a julgar, ocorre um bloqueio ou uma paralisia. A musa é criticada antes mesmo de se manifestar. (...)
Assim que brota de sua fonte misteriosa, a obra de arte se torna objetiva, algo que se pode ouvir, avaliar, explorar. Em arte, estamos continuamente julgando nosso trabalho, acompanhando continuamente as configurações que criamos e deixando que nossas críticas realimentem esse contínuo desenvolvimento. A música é auto-controladora e auto-crítica. É assim que criamos arte e não caos. (...)
Mas existem dois tipos de crítica: a construtiva e a obstrutiva. A crítica construtiva ocorre paralelamente no tempo da criação, na forma de um feedback contínuo, uma espécie de trilho paralelo consciente que facilita a ação. A crítica obstrutiva atua perpendicularmente à linha de ação, interpondo-se antes (bloqueio) ou depois (rejeição ou indiferença) da criação. (...)
Isso significa perceber a diferença entre dois tipos de tempo. O contínuo relacionamento entre a crítica construtiva e o trabalho criativo oscila numa velocidade mais rápida que a da luz: ocorre no não-tempo (eternidade). Os dois parceiros, musa e revisor, estão sempre em sincronia, como um par de bailarinos que se conhecem há muito tempo.
Quando a crítica é obstrutiva, e se interpõe perpendicularmente ao fluxo do nosso trabalho em vez de correr paralela a ele, nossa visão de tempo se fragmenta em segmentos, e cada segmento é um possível ponto de parada, uma oportunidade para que a confusão ou a dúvida entrem em cena sorrateiramente. Apreciar ou rejeitar nosso trabalho por mais de um minuto pode ser perigoso.”

“Como músico improvisador, não estou no campo da música, nem da criatividade; estou no campo da entrega. Improvisar é aceitar, a cada respiração, a transitoriedade e a eternidade. Sabemos o que poderá acontecer no dia seguinte ou no minuto seguinte, mas não sabemos o que vai acontecer. Na medida em que nos sentimos seguros do que vai acontecer, trancamos as possibilidades futuras, nos isolamos e nos defendemos contra essas surpresas essenciais. Entregar-se significa cultivar uma atitude de não saber, nutrir-se do mistério contido em cada momento, que é certamente surpreendente, e sempre novo”.

Marina Corazza

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