IVO 60 blog

Blog para registros dos processos do IVO60 da Cooperativa Paulista de Teatro.

segunda-feira, 9 de março de 2009

SOMBRAS DA LUZ - Com a palavra, Silvia Leblon, a diretora:

Da direção
(sobre a primeira fase do trabalho com o Ivo60 até a quarta intervenção no Parque da Luz, em dezembro de 2008)


Dada a largada, corremos atrás do que buscávamos: algo que se aproximasse do que chamamos “feio”. A fim de entendermos o que? Eu me perguntei desde o início.
Talvez a compaixão... a perfeição na imperfeição.
Chamei de sombra aquilo que ocultamos por medo, vergonha ou timidez.
Esta seria a meta. O ponto de partida, o jogo do palhaço.
Muita coisa aconteceu no caminho: alegrias e tristezas, sustos e surpresas, encontros e desencontros; entusiasmo e desânimo; expectativas e decepções.
O que é importante dizer de tudo o que vivenciamos nesse processo até agora?
Criamos “figuras”, resultado de muito improviso, e avançamos na familiaridade com o parque e suas características. Já não nos sentimos invasores.
Partimos da linguagem do palhaço, como já dissemos, porque o palhaço é sombra; revela o que todos escondem e sabe alguma coisa sobre si mesmo.
Só isso foi pré-estabelecido: partiremos da nossa própria sombra.
Logo me surpreendi com a facilidade que tinham, durante os exercícios, de “criar personagens”. Eu desejava que ficassem mais tempo na pesquisa individual, para o levantamento de um repertório de ações, trabalhar mais tempo os princípios do palhaço; mas eu sabia que a meta não era o palhaço; apenas o ponto de partida.
Diante da voracidade criativa do grupo, deixei passar rapidamente essa etapa e decidi estimular a criação de “figuras”, explorar qualidades, através do exercício das cores. Isso deu um estímulo muito grande à criação, mas não a base técnica. Resultado: as “figuras” tomaram corpo, para alguns mais, para outros menos, em processos de consciência desiguais; conquistavam aos poucos uma lógica própria, mas as técnicas necessárias ao jogo não estavam de todo assimiladas. Resolvemos voltar a elas.
Fatores externos ao trabalho, que não cabe citar aqui, adiaram o início dessa nova fase. Paralelamente, sentiam falta de um treinamento corporal independente do processo criativo. Resolvemos chamar a Xica Lisboa para isso.
O treinamento corporal foi benéfico para o elenco, mas como diminuíram os ensaios, o processo criativo deu uma “desaquecida” e além disso faltou tempo suficiente para rever as regras do jogo, como havíamos planejado.
As novas intervenções estavam marcadas, as equipes de cenografia e figurinos já estavam comprometidas a incluírem a sua colaboração nessas intervenções. Não haveria tempo para os atores trabalharem em sala com objetos e figurinos novos. Foi aí que na primeira reunião que tive com o Luizão cenógrafo, eu pedi que ele presenteasse as “figuras” com alguns objetos cênicos que ele enxergasse fazendo parte do universo deles, além dos que já traziam em suas bagagens. Como estava perto o Natal, surgiu a idéia do Papai Noel chegar no Parque, de surpresa, com os presentes. Claro que precisávamos levar também presentes para os freqüentadores do parque, inclusive as crianças. Convidamos Carol e Ana, as figurinistas, a fazerem o mesmo com os figurinos. No dia D elas, surpreendentemente, apareceram com um tapete vermelho de 100 metros, e uma máquina de costura antiga, para montar uma instalação, além das camisetas novas e um lindo figurino para Ana Flávia ( a “noiva”).
O registro em vídeo, feito pela Anna Turra, mostra o que aconteceu.
Tudo muito diferente do que eu havia planejado.
Não estou acostumada a lidar com equipe de cenografia e figurino. Nesse ofício de “palhaça” criamos o nosso próprio figurino, a nossa própria cenografia, e os executores procuram realizar o que imaginamos e sugerimos.
Neste caso, tiveram total autonomia para a criação.
Naquele momento eu não podia impedir a experiência que estavam propondo por mais que me parecesse estranho ao processo que eu estava desenvolvendo com os atores.
Eu havia sugerido a utilização de materiais usados e me preocupava com a delicadeza das intervenções no ambiente do parque.
Tudo que levaram era novo, com exceção da máquina de costura modelo antigo; contrastava totalmente com a aparência dos atores, que se utilizavam de roupas e acessórios surrados, desbotados, por opção própria. O que significava tudo aquilo? Esperei para ver. Confesso que o tapete me chocou. As camisetas novas, modernas... Eu pensava em presentes usados misturados a algumas bobagens, alguns não desejáveis; queria evidenciar a decepção ao lado da surpresa, fazer repensar o valor. Cheguei a sugerir presentes simbólicos, escritos no papel, como encomendou à Mari Xicrinha o homem do parque, no ensaio aberto: - “desejo Saúde para minha família”. Imaginei o Papai Noel surgindo por entre as alamedas do parque, como se estivesse passando por ali, e esperava que os atores o descobrissem aos poucos.
Não foi isso o que aconteceu.
Apesar do foco ter sido deslocado dos atores para o Papai Noel e para os novos elementos cênicos, o tapete e objetos, foi um acontecimento! Os atores interagiram com os novos elementos e isso deu a eles muitos motivos de ação.
Não gosto muito de coisas; como artista, optei por afirmar isso. Tem coisa demais no mundo. Não quero o peso das coisas. Quero gente, sentimento, corpo vivo, energia, alimento, natureza.
Optei pelo teatro de ator, a partir do ator, onde o ator é o autor e o centro da cena.
Por outro lado, encaro esse trabalho como coletivo. Não quero dar a ele a minha marca, mas a marca do coletivo. Não é meu. É de todos que estão nele.
Como juntar as idéias? Eis a questão.
Admirei a ousadia das meninas... e do Luizão também, nosso Papai Noel.
Desejo agora mais técnica. Mais calma interna e externa para integrar. Mais música, em todos os sentidos. Tocar junto, em todos os sentidos.
Estamos iniciando uma nova etapa.
Que tempo temos para tudo o que queremos?
Para a memória, o futuro, o agora.
Agora é o tempo do palhaço.
Agora é tempo de mudar.
Agora é tempo de fazer o que preciso.
Agora é o que há para depois.
Agora é a canção do Arnaldo Antunes.
Traga a música, Ana Flávia.
E também Vaca Profana!

Escrevo assim minhas palavras ...
De perto ninguém é normal ...
São Paulo é como um mundo todo ...
A vida que é meu bem meu mal ....
Vaca profana põe teus cornos
Pra fora e acima da manada ...
Ê deusa de assombrosas tetas ...
Quero teu leite todo em minha alma ...
La leche buena toda em mi garganta .
Derrama o leite bom na nossa cara.


Será que todos os caminhos levam?
Ao trabalho! O resto é silêncio.

Silvia Leblon

26 de janeiro de 2009

SOMBRAS DA LUZ - Depoimento Cenografia

A participação da cenografia, ou melhor definido, do raciocínio de espaço cênico e encenação no projeto à Sombra da Luz, ao contrário das últimas colaborações, têm se destinado cada vez mais a obrservação, contemplação. Seja do nascimento das personagens, seja no local de exposição dos seus potenciais de atuação, o Parque da Luz. Talvez os termos em que se possa definir a atuação da equipe de cenografia seja mesmo a observação de potenciais.

O Parque da Luz, pequeno em perímetro, em comparação ao Parque Villa Lobos, é muito mais amplo. As situações, e a quantidade de detalhes e lugares, instigaram público e atores. As personagens, com suas múltiplas “qualidades” cênicas extrapolaram as possibilidades de encontros e diálogos no parque através do incrível e da quebra do cotidiano.

A criação das personagens estimulou a intervenção a transformar as mesmas em interventoras no espaço. Os objetos pessoais e os coletivos, aqueles que extrapolam o individual e chamam para a encenação coletiva constituem o vocabulário. Os objetos que os atores usam para locomover-se, ou suas malas, sacolas, e apetrechos vêm sendo pensados como potenciais de intervenção.

Para presentear objetos às personagens, de uma maneira mais espontânea e visceral, inserimos o Papai Noel, figura do ideário popular, na intervenção de dezembro. As possibilidades de recusa e ou aceitação do presente, a maneira como as personagens utilizariam os objetos, todas as questões estavam no ar e enriqueciam o jogo cênico. E afinal, um sujeito todo de vermelho portando um carrinho de mão chama a atenção do homem comum.

A equipe de figurino, mesclando atividades e campos de conhecimento, teve uma atitude mais incisiva na intervenção espacial, e nesse dia, com um rolo de tecido vermelho, colocado na rua principal do parque, sem que os atores soubessem, demarcando relações espaciais do parque. O rolo de tecido, com 50m de cumprimento, demarcou a grande extensão da rua. No dia seguinte, as personagens apropriaram-se do tecido para suas atividades de jogo cênico.

Como interventores, estamos ainda engatinhando, não dominamos o parque ainda. Muito a descobrir ainda. Mas as possibilidades são animadoras. A chave do jogo talvez seja como deixar rastros, com a sutileza que o parque demanda, nos seus silêncios visuais, na sua riqueza discreta de detalhes. Os rastros serão as narrativas que o jogo de atores construírem.

Luiz Florence